sábado, 27 de junho de 2015

O mar, amor.

Talvez, então, seja válida toda a dificuldade dos poetas em definir o amor. Parece que essa loucura de sensações não cabe em uma, duas ou mil linhas de ideias. Como algo tão mundialmente disseminado simplesmente não se veste tão bem com nenhuma determinação que tentamos fazer?  

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O dourado do sol em seus primeiros raios. O horizonte, visto à beira-mar, parece infinito...fundindo-se ao "limite" do déu, tornando-se parte do paraíso sem fim.
Passo a passo, miramos naquela imensidão e damos início a uma trajetória rumo ao que de mais belo conseguimos enxergar.
A areia, apesar dos receios naturais que sentimos no início da caminhada, parece tão sólida e confiável que gravamos nela fortes pegadas, determinados e tranquilos sobre onde queremos chegar.
E aí...o primeiro fragmento de concha, pontiagudo e armado para o ataque, aproveitando nosso descuido em virtude da cabeça erguida e direcionada, nos causa uma ferida dolorosíssima. Ficamos impressionados... Como uma doce trajetória poderia causar tanta dor?
Sem entender muito bem porque, continuamos os passos com a ferida aberta e gotejando toda a dor que causou; continuamos, sentindo cada fisgada, mas continuamos. Um tempo depois, a ferida já não dói tanto. E, pouco a pouco, chega a hora que já não dói nada. Todavia, sempre que olhamos para a cicatriz revivemos, de uma forma incomparavelmente mais discreta, a dor que ali esteve contida. Mas, prosseguimos, compreendendo que somos ao mesmo tempo mais resistentes e mais vulneráveis do que achávamos antes. 
Focados na bela imagem do horizonte, temos nossa atenção desviada por um pingo de chuva que cai repentinamente. O tempo começa a fechar, o céu escurece e o mar dá seus primeiros sinais de fúria. As certezas começam a se diluir na tempestade que tem início; o medo começa a se instalar e os pensamentos dominantes são apenas sobre o desespero de não saber o que fazer. O caos começa, mas a trajetória ainda não para. Uma decisão de não parar toma conta de nós e, cientes das dificuldades que estão por vir, vamos em frente. Quando não esperamos, aquela sólida areia surpreende nossas passadas certeiras com a falta daquele chão que nos sustentava: caímos em um buraco. O mar, agora já suficientemente furioso, cobre nossas cabeças como quem quer fazer com que todas nossas tentativas sejam finalizadas ali. Nesse momento, tudo para. Ficamos em um modo "offline" - nem que seja por alguns segundos -, pensando, dentre outros milhares de coisas, no porquê de tudo aquilo. Choramos, e nossas lágrimas não são nada em meio a tudo que estamos submersos; o choro não resolve, o riso já não tem razão, os sentimentos parecer tem se mudado de dentro de nós. Somos, nesse instante, pedras. Rochas, inacessíveis, em pausa para saber se é ali o nosso lugar. Incrivelmente, passamos por esse momento tão complexo ilesos. Restituímos nossa forma original quando o mar vai perdendo a força e, em meio ao sufoco, parece existir um resquício de ar pra respirar. Parece que tem solução, mas ainda estamos afundados naquele buraco no qual entramos por pura falta de cuidado. Mas acontece que dali de dentro começamos a enxergar o que antes, mesmo que acessível a nossos olhos, deixávamos de ver. De lá visualizamos o céu, agora despido das grosseiras nuvens, estampados de estrelas. E daquelas visões ressurge a esperança, a coragem e, principalmente, a vontade. As possibilidades se ampliam e aquela caminhada, talvez iniciada com um pouco mais de ilusão que deveria, agora tem um rumo mais sólido, realista e consciente. Agora sabemos que existe muito mais além do que o belo horizonte, ainda que permaneçamos dispostos a alcança-lo. Amadurecemos! Passamos por situações completamente novas, nem sempre acompanhadas pela compreensão de nossos pares. Dotamos de significados verdadeiros aquilo que nos motiva, passamos a acreditar menos em conto de fadas e valorizar mais as nossas histórias da vida real, com todos os seus problemas e, é claro, suas dádivas. 
Talvez o horizonte, resultado da fusão entre céu e mar, esplêndido e aparentemente inalcançável, representem bem o amor.
Fazemos coisas incríveis para alcança-los, mas em algum momento da jornada percebemos que sua beleza é uma composição. A maravilha que é somente é por uma junção de fatores; pela caminhada árdua, pelas feridas sentidas, pelas novas descobertas, pela recuperação das esperanças em meio às tragédias, pelos desapontamentos, pelas boas surpresas, pelas quedas e pela capacidade que desenvolvemos de sempre levantar. Talvez uma vida não seja suficiente para chegar lá... Mas sem dúvidas almejar isso pode torná-la inegavelmente mais prazerosa de ser vivida.

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2015

Como um quebra-cabeça

Como não se recordar com apreço das horas perdidas na vida procurando, quase que incansavelmente, montar um quebra-cabeça? Desde aqueles relativamente óbvios aos que continham imagens de obras de arte: encaixar aquelas inúmeras pecinhas era quase que uma aventura. Muitos calendários depois, resolvi pensar como tantas coisas na vida estão traduzidas na jornada de montar um quebra-cabeça. Não garanto que todos concordem com (ou sequer entendam com clareza) as metáforas - ora simplórias demais, ora exageradas demais - que pretendo redigir aqui. Mas, vamos lá... À primeira vista, por que montar um quebra-cabeça? Motivos variados, eu sei. Uns pelo desafio, outros porque sentem a necessidade de se dedicar a algo até o fim... Cada qual com seus motivos, ingressamos na aventura. Há quem veja "de fora" e se pergunte: "Mas por que diabos ele(a) inventou de fazer isso? Não faz sentido". Pra eles. Não faz sentido pra eles, que não sabem o que te motivou. Você abre a caixa e lá vem o desespero: aquelas peças (que, para os mais corajosos, podem passar - e muito - de mil) todas soltas, embaralhadas, sem nexo e esperando você para dar rumo à cada uma. Mas, aos poucos, com toda paciência e cuidado, começamos a encaixá-las. Tem sempre aquelas peças óbvias, de um canto, da base, da parte colorida do desenho, que você nota tão facilmente qual sua posição que começa a pensar que tudo aquilo vai ser mais do que fácil: vai ser perfeito. Tomados pela empolgação, vamos em busca dessas partes triviais, alegres e confiantes por estarmos lidando tão bem com essa missão aparentemente bem mais complexa do que tem sido. Pois é... De repente, as peças perfeitas vão diminuindo, diminuindo... e quando conseguimos perceber, já não há mais nada fácil ali: começamos a ver que o encaixe vai precisar de mais empenho para acontecer. Mas, nada que motive o desânimo, afinal você se propôs a concluir essa montagem para enxergar a bela figura que aparecerá ao término. Continuamos a procurar as peças e seus respectivos lugares, agoras dotados de um pouco mais de lógica e raciocínio, pensando nas possibilidades e lutando pra que dê tudo certo. Podemos confessar, agora, que a paciência já não está em seu mais alto patamar, e há também tantas outras coisas a fazer que parecem estar mais divertidas do que perder horas em algo tão difícil de entender... Que nada! Conseguimos superar esses pensamentos, e continuamos a montar, agora mais devagar do que de costume, a nossa almejada figura. Já nos estágios mais avançados, observamos que as lacunas diminuiram, restando poucas peças para ocupá-las. E as vezes, mesmo com a peça certa nas mãos, não conseguimos fazê-la encaixar. Ou ainda tentamos, mesmo que à força, empurrar peças em lugares que não lhes pertencem. O pior é que as vezes a peça na lacuna errada passa despercebida por muito tempo... Mas, quando você finalmente tiver em mãos a peça correta, vai perceber que ela não tinha absolutamente nada a ver com aquele lugarzinho. E quanto à primeira situação, com o tempo você vai entender que o seu ponto de vista é quem não permitia o encaixe: a peça sempre esteve pronta pra estar ali. O problema maior é quando você percebe que o pior aconteceu: a peça perfeita para determinado lugar foi perdida ao longo do percurso. Você perdeu por desatenção, ou por encaixar outra peça (erradíssima) em seu lugar... Seja como for, toda a caminhada fica interrompida nesse momento. Mesmo que você termine a montagem, sempre olhará para ela sabendo que falta alguma coisa, falta aquela peça que permitiria a totalidade. Porém, como sempre há esperança, você encontra a peça, seja lá onde você tenha deixado: é hora do encaixe final. Não há nada te impedindo, é apenas você, a peça em suas mãos e a última lacuna a ser preenchida. E se o telefone toca? E se você se lembra que é o último episódio da novela? Já pensou se você adia esse momento em virtude de qualquer outro compromisso, e a janela aberta da sala permite a entrada de uma ventania que, sorrateiramente, destrói tudo que você construiu e inclusive desaparece com peças essenciais à sua conclusão? Pois é... Então, nessa situação, temos que encaixar logo a tão sonhada última peça e observar o que tanto desejamos durante todo esse tempo: a bela figura, a junção das pecinhas, a sua totalidade. Talvez pra quem veja - mais uma vez "de fora"- não seja lá essa maravilha toda. Já para você, que montou cuidadosamente cada parte, que perdeu a paciência e quis desistir inúmeras vezes, mas teve força de vontade para ir até o final, que desesperou-se com a ideia de perder alguma pecinha tão preciosa, que refletiu mil vezes sobre as possibilidades... pra você, aquilo é incrível! Aquilo significa que você conseguiu se dedicar a algo e que realmente valeu a pena. Significa que você valorizou cada peça e agora pode desfrutar do prazer de ver seu trabalho concluído. Agora, ninguém pode destruir o que você fez. Mesmo que alguém embaralhe todas as peças, você sabe que sempre será possível remontá-las. Você já agradeceu hoje pelo seu quebra-cabeça? :)